domingo, 14 de julho de 2013

Em Bangladesh, alunos isolados por enchentes estudam em escolas flutuantes



Amy Lee
Do The New York Times, em Nasiar Kandi (Bangladesh)
19.nov.2012 - Escolas flutuantes ajudam  a garantir o ensino de crianças em Bangladesh

Em uma manhã quente, cerca de 20 alunos da quarta série estavam sentados em duas fileiras de carteiras, com seus livros abertos em um poema bengalês chamado "Canção de Palki". Um aluno escrevia no quadro negro na sala de teto baixo, com parede de bambu pintada de branco.

Essa poderia ser uma sala de aula qualquer na Bangladesh rural, exceto pela visão de uma mulher mais velha de sari, se banhando com água até a cintura no lado de fora de uma janela aberta. Os sons de suas batidas na água pontuavam a aula, juntamente com o mugido das vacas e o balido das cabras. Um barco de madeira cheio de passageiros e bicicletas passava de forma barulhenta.

A sala de aula fica em um barco de madeira atracado em uma margem de rio, próxima da aldeia de Nasiar Kandi, no distrito de Natore, no noroeste de Bangladesh. Ela é uma das 20 "escolas flutuantes" gratuitas dirigidas pela Shidhulai Swanirvar Sangstha, uma organização sem fins lucrativos que atende quase 70 mil crianças.


Em Bangladesh, as enchentes anuais podem interromper os estudos para centenas de milhares de alunos. Em algumas áreas, as estradas ficam intransitáveis durante a estação das chuvas, de julho a outubro, quando os rios sobem até quatro metros. Em 1998, no mesmo ano em que a Shidhulai foi fundada, enchentes inundaram dois terços do país, matando 700 pessoas e deixando 21 milhões de desabrigados.

Bangladesh fica em um delta formado pela confluência de grandes rios e é altamente vulnerável aos efeitos da mudança climática. Mais de um milhão de bengaleses pode ser deslocado ou afetado pela elevação do nível dos mares até 2050, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, e as enchentes provavelmente piorarão em um dos países mais densamente povoados do mundo, com 152 milhões de habitantes.

"A escola em terra fica fechada durante as monções", disse Eti Khatum, 9 anos, uma estudante no barco-escola, com dois longos rabos de cavalo e um xale dourado. "Esta escola flutua o ano todo."

Pascal Villeneuve, o representante do Unicef para Bangladesh, escreveu em um e-mail: "Assegurar que as escolas sejam resistentes a desastres naturais deveria ser uma prioridade em qualquer preparação e planejamento para redução de riscos em desastres".

Ele acrescentou: "Nós sabemos por experiência que devolver a criança ao ambiente escolar o mais cedo possível é a melhor forma de ajudá-las a se recuperarem do choque e destruição de um desastre natural".

Mohammed Rezwan, fundador e diretor executivo da Shidhulai, cresceu no noroeste do país, onde sua organização atua.

Sua família possuía um barco, o que significava que ele era um dos felizardos que conseguia assistir as aulas o ano todo, mas alguns de seus colegas de infância eram impedidos de frequentar a escola por meses por causa das enchentes.

"Meus amigos e parentes não conseguiam ter acesso à educação", ele disse. "Eu pensei, se as crianças não conseguem ir à escola por causa das enchentes, então a escola deve ir até elas de barco."

Ele fundou a Shidhulai com cerca de US$ 500 em 1998, no mesmo ano em que se formou em arquitetura pela Universidade de Engenharia e Tecnologia de Bangladesh, em Dhaka.

Com apenas 22 anos na época, ele não tinha experiência em arrecadação de fundos. Mas ele vasculhou pela Internet por organizações que poderiam ajudá-lo e apresentou propostas. Seu primeiro barco-escola foi apresentado em 2002.

Em 2003, a Shidhulai recebeu uma doação de US$ 5 mil do Fundo Global para Crianças nos Estados Unidos, e depois US$ 100 mil da Fundação Levi's, parte da empresa de moda que tem fábricas em Bangladesh.

Uma doação de US$ 1 milhão da Fundação Bill & Melinda Gates, em 2005, permitiu à Shidhulai construir mais barcos, comprar computadores, instalar energia solar e criar uma biblioteca central. No ano passado, ela adicionou outro barco após conquistar um prêmio de US$ 20 mil da Cúpula Mundial de Inovação para Educação, ou WISE (na sigla em inglês), criada pela Fundação Qatar.

Rezwan projetou as escolas modificando os barcos de madeira bengaleses tradicionais chamados "noka". Eles têm cerca de 15 metros de comprimento e três metros de largura, com cabines que podem receber 30 crianças e um professor. Tetos resistentes às intempéries podem suportar as chuvas pesadas das monções e são apoiados por vigas de metal em arco em vez de colunas, que obstruiriam a sala de aula. São precisos três a quatro meses, mais cerca de US$ 18 mil, para os construtores locais de barcos adaptarem uma velha embarcação. Além disso, são necessários US$ 6.500 adicionais por ano para pagamento de salários, suprimentos, combustível e outras despesas.

A organização agora conta com vinte escolas –a maioria para crianças pequenas de famílias sem terras– dez bibliotecas e sete centros para educação de adultos, tudo em barcos. Há também cinco clínicas de saúde flutuantes que ajudam a transportar pessoal médico para áreas remotas.

Rezwan planeja acrescentar mais 100 barcos nos próximos cinco anos para atender 100 mil pessoas adicionais. "Nossas escolas flutuantes são uma combinação de ônibus escolar e escola", ele disse.

Os estudantes embarcam nos pontos estabelecidos e então assistem aulas por duas ou três horas, seis dias por semana. Em muitos casos, essa será toda a educação que receberão.

Enquanto isso, as aulas gratuitas para adultos se concentram em questões práticas. Certa tarde, uma sala cheia de mulheres em saris coloridos assistia uma apresentação de slides de um especialista em agricultura, que as ensinava como usar inseticidas orgânicos feitos de folhas de nim (amargosa), entre outras dicas.

Khadiza Begum, 27 anos, disse que aprendeu nos últimos quatro anos a cultivar pepino e tipos diferentes de porongos, aumentando o rendimento de suas plantações. A luz do fim de tarde estava desaparecendo, mas luzes alimentadas por energia solar permitiam a continuidade da aula.

Sweetie Khatun, uma menina de 11 anos lendo um livro chamado "Rhyme From The Lips of Birds" ("Rimas dos lábios de pássaros", em tradução livre), declarou que ama a biblioteca e disse que ela era "linda".

Tradutor: George El Khouri Andolfato








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